Recebi por e-mail e estou transcrevendo aqui. É um texto muito bem escrito, por um sanjoanense que já faleceu faz alguns anos e mostra porque a maioria das pessoas não vê felicidade nos pequenos momentos da vida.
De tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é.
O que nos cerca é familiar, já não desperta curiosidade no campo visual da nossa rotina, é como um vazio.
Você sai todo o dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o que você vê no seu caminho, você não sabe, de tanto ver, você não vê. Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Ali estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro. Dava-lhe bom dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência. Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer.
Como era ele? Sua cara? Sua voz? Como se vestia? Não tinha a mínima idéia. Em 32 anos, nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve que morrer. Se um dia no seu lugar estiver uma girafa, cumprindo o rito, pode ser que também ninguém note por sua ausência. O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver. Gente, coisas, bichos. E vemos? Não, não vemos.
Uma criança vê o que um adulto não vê.
Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de tão visto, ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, opacos. É por aí que se instala no nosso coração o monstro da indiferença.
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