Fábula Interior

Sempre fui fã de fábulas e suas curtas histórias com um ensinamento moral no final. É incrível pensar que as famosas “Fábulas de Esopo” (como A Raposa e a Uva, O Coelho e Tartaruga), popularizadas por La Fontaine nos anos de 1600 foram escritas originalmente pelo grego Esopo, 600 anos antes do nascimento de Cristo!

Li Fernão Capelo Gaivota (fábula mais moderna, escrita por Richard Bach em 1970) na sala de espera de um consultório odontológico enquanto minha filha era atendida. O Pequeno Príncipe, que não é uma fábula mas é carregado de ensinamento moral foi escrito por Antoine de Saint-Exupéry durante a II Guerra Mundial. Todas essas contribuíram para a construção do que considero moral, ético, correto.

Recentemente li a fábula “O Cavaleiro Preso na Armadura”, escrita por Robert Fisher na década de 90. É a história de um cavaleiro medieval que vestia uma armadura com elmo e tudo pra estar sempre pronto pra ir pra batalha, vencendo todas. Uma metáfora entre ser e mostrar o que aparenta ser até chegar a um ponto onde o verdadeiro ser some e sobra apenas o que aparenta ser, impedindo de enxergar o mundo, seguro dentro da armadura, sem perceber os outros em volta.

Algumas passagens que achei interessantes por nos fazerem refletir situações cotidianas:

– O que você amou – disse Juliet, mirando através da viseira para poder ver os olhos do cavaleiro – foi a idéia de me resgatar. Você não me amava de verdade naquela ocasião e não me ama de verdade agora.

A grande diferença entre amar o destino no final do caminho e amar a jornada que leva ao destino. Conheço quem cozinhe, pelo prazer de cozinhar, mas nem saboreia o prato finalizado. Troca figurinhas pra preencher um álbum mas depois de completo nunca o abre.

– Você não fez isso por nossa causa – argumentou Juliet. – Você fez isso para você mesmo!

É complexa essa passagem. As vezes ajudamos o próximo não por altruísmo, mas por nos sentirmos bem por ter ajudado o próximo. Uma esmola pro mendigo muitas vezes é data para livrar o sentimento de culpa do doador, que não está pensando no bem estar do mendigo. Um workaholic trabalha porque é viciado em trabalhar, não é para trazer mais conforto financeiro para a família… são muitos exemplos.

– Uma pessoa não pode fugir a apreender ao mesmo tempo. Ela precisa permanecer algum tempo no mesmo lugar.

Fugir de um problema não é a solução do problema. Para solucionar um problema é necessário parar, encarar o problema de frente e, aí sim, traçar uma estratégia pra resolvê-lo. Colocar um pé no freio pra refletir é um excelente ensinamento.

– Se você era realmente bondoso, gentil e amoroso, por que precisava provar isso? – Merlin perguntou.

É curioso como o ser humano precisa de auto-afirmação. Ouvi há anos a frase: “De que adianta transar com a Angelina Jolie se não contar para os amigos?”. A realização se dá pelo fato de efetivamente ter um relacionamento íntimo e carnal com a musa do cinema ou de contar para alguém do feito? No mundo corporativo isso tem um nome bonito: “marketing pessoal”.

Há outras sutilezas nessa passagem. Na ação de “provar algo a alguém”, por que buscamos isso? Qual a razão de um homem enfrentar um cachorro bravo, uma grande idiotice, pra provar que é corajoso? Não basta simplesmente ser corajoso?

Ao pronunciar essas palavras, o cavaleiro parou abruptamente, compreendendo que vivera toda a sua vida de maneira a fazer com que as pessoas gostassem dele. Pesou em todas as cruzadas que lutara, os dragões que matara e as donzelas que salvara da aflição – tudo para provar que ele era bondoso, gentil e amoroso. A verdade é que ele não precisava provar nada disso. Ele era bondoso, gentil e amoroso.

Novamente a fábula afirma que a necessidade de mostrar o que é tem mais relevância na vida que o simples fato de ser, enquanto que deveria ser o contrário.

– Oh, desculpe! – disse o cavaleiro, movendo rapidamente a perna para que o esquilo pudesse reaver a cauda. – Espero não o ter machucado. Não consigo enxergar muito bem com esta viseira na minha frente.

– Não tenho dúvida disso – replicou o esquilo, sem qualquer ressentimento na voz. – É por isso que você tem de ficar pedindo desculpas às pessoas depois de machucá-las.

Minha interpretação dessa passagem é em relação a não perceber o sentimento do outro. Fazer algo, sem intenção negativa, mas incomodar a outra pessoa e, por não ter a percepção aberta, nem notar que a outra pessoa ficou incomodada. Para evitar essa situação é necessário racionalizar menos, sentir mais. Alguns chamam de inteligência emocional, no trabalho de Howard Gardner seria a inteligência interpessoal, segundo ele uma das 9 inteligências do ser humano.

– Você não falou com o esquilo em palavras, mas sentiu as vibrações dele e as transformou em palavras. Mal posso esperar o dia em que você começará a falar com as flores.

A fábula justificando o motivo de animais falarem com humanos (marca registrada de fábulas) chama atenção mais uma vez para a percepção. Não é necessário que o outro verbalize o que sente. Linguagem corporal e outros indicadores dizem o que a pessoa está sentindo. Basta estar aberto à essa percepção. Mais uma vez: racionalizar menos, sentir mais.

– Entretanto, um presente, para ser um presente, tem que ser aceito. Caso contrário, torna-se um obstáculo entre as pessoas – acrescentou o mago.

Como diz o ditado: “se conselho fosse bom, a gente não dava, vendia”. Têm pessoas que não estão “na vibração” de receber um conselho, um feedback, uma sugestão. Pode ser por não ter intimidade entre ambos, ou faltar abertura para algum assunto específico, por gerar alguma situação constrangedora ou algum outro motivo. Novamente: racionalizar menos, sentir mais. A sabedoria consiste em saber quando ficar em silêncio e quando falar algo que irá agregar e, mais importante, se o outro está pedindo conselho/ajuda.

Encorajado, o cavaleiro se levantou, pronto para seguir. Agradeceu a Merlin por aparecer, mesmo sem ter sido chamado.

– Tudo bem – disse o mago – , às vezes a gente não sabe quando é hora de pedir ajuda. – E, dizendo isso, desapareceu.

É possível sentir quando o outro está precisando de ajuda. Segue o mantra: racionalizar menos, sentir mais. Com atenção para a passagem do presente vs obstáculo: por mais que sinta que o outro está precisando de ajuda, não dê ajuda se o outro não quiser ser ajudado, por mais que precise. É um bom paradigma a ser estudado em mais detalhe.

– Nós levantamos barreiras para proteger quem pensamos ser. Então um dia ficamos presos atrás das barreiras e não conseguimos mais sair.

Dá pra ter múltiplas interpretações nessa passagem. Fico com a de que após tanto parecer ser algo que não somos, acabamos ficando preso nessa visão irreal e acreditando nela, não mais conseguindo ser o que realmente somos. Essa situação extrema somatiza doenças, causa depressão, frustrações e um descompasso com a felicidade. Pelo título do livro achava que essa seria a moral da história, mas o livro é bem mais sutil, com diversos ensinamentos e não apenas esse.

– Ficar em silêncio significa mais do que não falar – disse o rei. – Descobri que, quando estava com alguém, mostrava apenas a minha melhor imagem. Não deixava as barreiras cederem e não permitia que nem eu nem a outra pessoa víssemos o que eu estava tentando esconder.

Mais uma vez, a fábula bate na tecla de parecer ser e não ser, principalmente na frente de outras pessoas. Sinceramente não compreendi qual o ensinamento/metáfora do silêncio que o autor usou na história… preciso ler novamente essa parte.

– Estava mesmo? Ou será que você estava tão ocupado tentando vir a ser que não podia desfrutar de ser simplesmente?

Nesse trecho o cavaleiro diz que queria provar que era o melhor cavaleiro do reino. Estava feliz tentando ser o melhor cavaleiro. O caminho era mais importante que o destino. Aí deu nó na cabeça… afinal, é a jornada ou o destino mais importante? Ou será uma crítica à uma busca por ser algo que não é?

– Você, como a maioria das pessoas, deseja possuir uma porção de coisas boas, mas é necessário separar necessidade de ganância.

É a única passagem do livro que fala de ganância, portanto entendi que a crítica é em relação ao materialismo, relacionando também ao à busca de de adquirir algo pela experiência, pela jornada e não pelo objetivo final.

– Olhe – Sam o encorajou -, se você encarar o dragão, existe uma possibilidade de que ele venha a destruí-lo, mas se não encará-lo, ele com certeza o destruirá.

Ouvi de um amigo uma vez que se tentar, existe a chance de fracasso, se não tentar, existe a certeza do fracasso. É a mesma idéia, escrita de outra forma. Outra frase que costumo ouvir é que o “não” já está garantido, portando vale a pena tentar o “sim”.

– Caía mais e mais rapidamente, sentindo vertigens com sua mente descendo até o coração. Então, pela primeira vez, viu sua vida com lucidez, sem julgamentos e sem desculpas. Naquele instante, aceitou plena responsabilidade por sua vida, pela influência que as pessoas tiveram sobre ela e pelos acontecimentos que a tinham modelado.

Sendo este livro uma fábula, seria esta a moral da fábula. Somos totalmente responsáveis pela nossa experiência. Outras pessoas podem nos influenciar, mas não são elas as responsáveis pelo que aconteceu em nossa vida.

No entanto vejo que o autor criou na verdade uma coleção de metáforas, sem uma única lição de moral, mas várias lições que vão se complementando, algumas conclusivas por si só, outras evoluindo a forma de pensar até chegar no objetivo final. Um livro de leitura rápida, simples, com alguns ensinamentos claros, outro mais sutis, para ser lido e relido.

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