Carta – Redação do Vestibular Unicamp 1995

8 de Julho de 1999, 3º ano do 2º grau, 17 anos

Redação sobre o tema da prova de vestibular da Unicamp de 1995:

Na luta contra a Aids defrontam-se os rigorosos, que exigem respeito aos princípios preventivos básicos e corretos, contra os complacentes. Aqueles exaltam o valor do relacionamento sexual responsável, o combate efetivo à toxicomania e a adequada seleção de doadores de sangue. Os outros preconizam coisas mais agradáveis, como por exemplo o emprego desbragado e a doação gratuita de camisinha, a distribuição de seringas com agulhas a drogados e a perigosa, além de problemática, lavagem delas com água sanitária. Agora, os permissivos, que não estão obtendo qualquer vitória, pois a doença afigura-se cada vez mais difundida, ganharam novo aliado: o Conselho Federal de Entorpecentes (CONFEN), que concordou com o fornecimento de seringas e agulhas, sem ônus, aos viciados. Portanto, esse órgão público associou ilegalidade à complacência.
(VICENTE AMATO NETO, médico infectologista, Painel do Leitor, Folha de S. Paulo, 18/09/94)

A carta acima fez referência a uma proposta polêmica do CONFEN (Conselho Federal de Entorpecentes): o fornecimento gratuito de seringas e agulhas a viciados em drogas injetáveis.
a) Caso você concorde com a proposta da CONFEN, escreva uma carta ao Dr. Vicente Amato Neto, procurando convencê-lo de que ela pode de fato contribuir para evitar a disseminação do vírus da Aids.
b) Caso você discorde dessa proposta, escreva uma carta ao presidente da CONFEN, procurando convencê-lo de que ela não deve ser posta em prática.
Ao desenvolver sua redação, além de expor suas opiniões, você deverá necessariamente levar em consideração a coletânea a seguir.

1. Graças a uma legislação liberal, a maior cidade Suíça (Zurique) criou uma área especial – Letten, uma estação de trens desativada – onde é possível comprar e usar heroína em plena luz do dia. (…) Desde 1992, quando os junkies* se mudaram da Platzpitz, uma praça no centro da cidade, para Letten, o consumo não pára de crescer – um fato atestado pelas 15.000 seringas descartáveis distribuídas diariamente na velha estação. A única vantagem é que a distribuição reduziu o ritmo de disseminação da Aids.
[*junkies: termo inglês que significa drogados.]
(O pico à luz do dia, VEJA, 07/09/94)

2. Em nosso país, exige-se o diploma para que alguém aplique injeção endovenosa, porque pessoas não treinadas criam perigosas situações para si ou para outros, ao realizar inoculações. Fornecer agulhas e seringas a pessoas não habilitadas para seu uso é como dar um carro a menores de idade, ou uma arma a quem não sabe utilizá-la. Isso é pelo menos indesejável para a sociedade, além de ser ilegal. No caso, a ilegalidade se tornaria incontrolável, pois o distribuidor dos medicamentos e agulhas seria o próprio Estado.
A proposta de um programa como esse não leva em conta a realidade, causando desperdício de recursos já precários. Tais propostas são feitas por pessoas que nunca viram, de fato, como funciona uma “roda”, provavelmente dirigentes sem formação médica e sem assessoria adequada (sociológica etc). Não é difícil adivinhar que se trata de um plano que só beneficia vendedores de agulhas e seringas e burocratas de escritório, não tendo qualquer conseqüência para a epidemia da Aids.
[*roda: prática, comum entre drogados, que consiste no uso de uma mesma seringa por várias pessoas.]
(adaptação de VICENTE AMATO NETO & JACYR PASTERNAK, ‘A doação de seringas e agulhas a drogados’, O ESTADO DE S. PAULO, 05/09/94)

3. A distribuição de seringas para usuários de drogas pode diminuir pela metade a taxa de propagação do vírus da Aids neste grupo de risco. A conclusão é de uma pesquisa realizada na Universidade John Hopkins, de Nova York, que envolveu 22 mil pessoas em vários bairros nova-iorquinos.(…)
Antes do programa, uma seringa era emprestada, alugada ou vendida em média 16 vezes nos bairros onde foi feito o controle. O programa reduziu este número em quatro vezes.
Existem 200 mil usuários de drogas injetáveis em Nova York, metade deles infectados com o vírus da Aids.
(Programa corta em 50% taxa de infecção de HIV, “Folha de S. Paulo”, 02/11/94)

4. [No futuro, pagaremos] caro pela ignorância e irresponsabilidade do passado. Acharemos inacreditável não havermos percebido em tempo, por exemplo, que o vírus da Aids, presente na seringa usada pelo adolescente da periferia para viajar ao paraíso por alguns instantes, infecta as mocinhas da favela, os travestis na cadeia, as garotas da boate, o meninão esperto, a menina ingênua, o senhor enrustido, a mãe de família e se espalha para a multidão de gente pobre, sem instrução de higiene. Haverá milhões de pessoas com Aids, dependendo de tratamentos caros e assistência permanente. (…)
(DRAUZIO VARELLA, ‘A era dos genes’, “Veja 25 anos” – Reflexões para o futuro, 1993)

São João del-Rei, 8 de Julho de 1999

Prezado senhor,

Lendo o jornal “Folha de S. Paulo” do dia 18 de setembro de 1994, deparei-me com um artigo do Dr. Vicente Amato Neto que falava sobre o Conselho Federal de Entorpecentes (Cofen). Sou totalmente contra a distribuição de seringas e agulhas descartáveis aos drogados, já que um erro não justifica outro. A AIDS é, realmente, um problema grave, que infectará milhões de pessoas no futuro, mas a droga é muito pior, pois causa uma certa demência no usuário. Em alguns países como Suiça ou Estados Unidos, um projeto semelhante foi aplicado, o número de casos de AIDS diminuiu, mas o número de drogados subiu consideravelmente. Com o projeto, o senhor estará violando uma lei brasileira, que diz que para aplicar injeção intravenosa, é necessário ter diploma, pois por um descuido ou falta de informação, uma injeção mal aplicada pode causar sequelas ou até mesmo a morte.

Antes de colocar este projeto em prática, o senhor deveria participar de uma roda de drogados, não como usuário, mas como um simples curioso, e olhe o que realmente acontece. Na primeira dose, até que vai, o drogado pegará um seringa descartável e a usará, mas depois da segunda dose, ele já estará tão doido que nem pensará em ver se a droga está diluída ou não, se a seringa está limpa, cheia ou vazia. Num momento destes, o drogado pensará apenas em pegar a primeira seringa que ver na sua frente.

A AIDS mata aos poucos, a droga mata com um sofrimento muito maior, até mesmo para os amigos e familiares. Com este projeto, o senhor estará apenas incentivando o uso da droga, que os governantes lutam tanto para inibir seu consumo.

Atenciosamente,

Henrique Cintra

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