10 de Julho de 1999, 3º ano do 2º grau, 17 anos
Esta redação é em resposta a uma questão do vestibular da Unicamp em 1996:
Durante o ano de 1995, intensificou-se no Rio de Janeiro a onda de violência e seqüestros. Uma das respostas a essa onda de violência foi a Manifestação Reage Rio, realizada no dia 28 de novembro como um grande ato público a favor da paz. Na semana seguinte, em artigo publicado na página 2 da “Folha de S. Paulo”, o jornalista Josias de Souza escreveu a esse propósito:
“O Rio que paga a carreirinha de coca é o mesmo Rio que foge do seqüestro, eis a verdade. Diz-se que a violência vem do morro. Bobagem, tolice. Como a passeata do Reage Rio, a violência também é obra do carioca bem-posto. (…) Dois dos objetivos palpáveis do Reage Rio são o reaparelhamento da polícia e a urbanização das favelas. Erraram o alvo. Estão mirando na direção errada. (…) Pouco adianta dar novos 38 à polícia se não for interrompido o fluxo de dinheiro que garante os AR-15 do tráfico.”
(“O Rio cheira e berra”, 5/12/95)Essa análise é polêmica e você deverá levá-la em consideração ao optar por uma das duas tarefas a seguir:
– concordando com a opinião do jornalista, escreva-lhe uma carta, apresentando argumentos que o apóiem.
– se você acha que o ato público cumpriu seus objetivos, escreva uma carta aos organizadores, elogiando a iniciativa, defendendo sua validade e rebatendo os argumentos do jornalista.Todos os textos transcritos a seguir foram publicados na imprensa alguns dias depois da Manifestação Reage Rio, e são relevantes para que você possa formar uma opinião. Ao escrever sua carta, considere os argumentos expostos nessa coletânea e outros que você achar pertinentes.
1. Cerca de 70 mil pessoas participaram da manifestação Reage Rio, um apelo para que acabem a violência e os seqüestros no Rio de Janeiro. Os organizadores, entre eles o Movimento Viva Rio, esperavam 1 milhão de pessoas. Mas a chuva atrapalhou. A caminhada, na Avenida Rio Branco, reuniu representantes de toda a sociedade civil. “Foi um sucesso”, disse o sociólogo Hebert de Souza, o “Betinho”. O governador Marcello Alencar e o prefeito César Maia não participaram. Nos últimos nove meses, a polícia registrou 6.664 assassinatos no Rio.
(Clipping do Estadão, Destaques de Novembro/95)2. “Foi um extraordinário marco a marcha no Rio, onde, pela primeira vez, a politização da violência ganhou ares populares. Mesquinho e subdesenvolvido restringir o debate ao número de participantes. Mais importante, muito mais, foi o debate que suscitou e a sensação de que o combate ao crime não é apenas um problema oficial.”
(Gilberto Dimenstein, “Chute no Saco”, “Folha de S. Paulo”, 10/12/95)3. “Houve uma grande ausência na passeata de terça-feira passada no Rio de Janeiro. Faltou uma palavra mágica, aquela que daria sentido a toda aquela movimentação. (…) A palavra que faltou é: DROGAS. A passeata era contra a violência. Ora, qual a causa magna da violência no Rio, a causa das causas? Resposta: drogas. (…) A originalidade do Rio está em ter realizado uma passeata contra a escalada do crime, a incrível escalada que, sob o impulso e o império da droga, ocorre em várias partes, sem dar nome ao problema. E não se deu o nome porque, se se desse, não haveria passeata. (…) O que aconteceria se se anunciasse uma passeata contra as drogas? Muitos não iriam. No mínimo para não parecer careta, ou seja, ridículo. Mas também porque muita gente não é contra – é a favor das drogas. (…) Sendo assim, como fazer uma passeata contra a droga? Melhor é fazê-la contra a ‘violência’ e pela ‘paz’. Quem pode ser contra a paz?”
(Roberto Pompeu de Toledo, “Faltou dizer por que não se tem paz”, “Veja”, 6/12/95)4. “O lado bom do Rio é a natureza fantástica, o povo que é alegre e descontraído, aceita e vive a vida como ela é. O lado ruim é a miséria que se alastra por toda a cidade, exigindo uma solução, com nossos irmãos trepados em barracos pobres, olhando a cidade dos ricos como uma miragem a seus pés. E a solução não está nas brigas políticas de superfície, mas na revolução; a revolução que não pode ser feita agora. (…)
Fui à passeata Reage Rio porque me convidaram. Queriam que fosse num carro, mas preferi andar no meio das pessoas. A caminhada não foi propriamente um protesto mas uma advertência sobre o que está acontecendo, sem solução. Enfim, o problema da miséria é grave e uma pessoa com um pouco de sensibilidade não pode se sentir feliz diante disto.”
(Silvio Cioffi, “Só revolução resolve a miséria, diz Niemeyer”, “Folha de S. Paulo”, 21/12/1995)5. “Quem não acredita na força do pensamento positivo ganhou na quinta-feira, 30, um bom motivo para mudar de idéia. Menos de 48 horas depois da Caminhada pela Paz, que parou a cidade e mobilizou milhares de pessoas contra a violência – 60 mil, segundo a polícia, e 150, segundo os organizadores -, foi resgatado o estudante Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira Filho, seqüestrado trinta e seis dias antes. (…) A mãe de Eduardo Eugênio elogiou a atuação da polícia mas dedicou especial gratidão aos participantes da caminhada.”
(Eliane Lobato, “Guerrinha pela paz”, “lsto É”, 6/12/95)
São João del-Rei, 10 de Junho de 1999
Prezados senhores organizadores do Reage Rio,
Lendo o Jornal Folha de São Paulo do dia cinco de dezembro, deparei-me com uma matéria da autoria do senhor Josias de Souza, na página 2 do referido jornal. Esta matéria causou-me certa surpresa, pois, além de ter participado do Reage Rio, havia considerado a manifestação um sucesso, além de ser, é claro, um ato nobre de toda a sociedade.
Acredito serem os senhores homens formados, de cultura, homens “bem postos”, não me vem à cabeça a imagem dos senhores sequestrando, assaltando ou matando alguém, a violência é causada por pessoas de um nível social abastardo, que precisam da violência para sobreviverem. A droga é a alma da criminalidade, mas se a passeata fosse contra as drogas, não haveria passeata, muitos não iriam, alguns são até a favor das drogas! O senhor Josias defende que não adianta reaparelhar a polícia, mas esta é a solução a curto prazo mais viável. Com a polícia equipada, os policiais estarão equiparados aos traficantes. Uma favela é um emaranhado de casas amontoadas umas nas outras, os traficantes têm visão e controle de tudo, além de fartos esconderijos, mas os policiais têm dificuldade de se locomoverem lá dentro. Com a urbanização, a polícia teria como agir rapidamente, não seria tão fácil para os criminosos se esconderem e com a prisão destes indivídulos, a violência do Rio de Janeiro seria diminuída consideravelmente.
O movimento Reage Rio alcançou todos os seus objetivos, representantes de toda a sociedade compareceram, qualquer pessoa com um pouco de humanidade não se sentiria bem sabendo que em nove meses ocorreram 6.664 assassinatos no Rio. O movimento mostrou que o combate à criminalidade não é um problema estritamente público, a sociedade deve participar também. O êxito do movimento demonstrou-se quando, menos de 48 horas depois, o estudante sequestrado Eduardo Eugênio foi libertado. Este foi um movimento louvável de pessoas que não aguentam mais conviver com tanta violência.
Atenciosamente subrescrevo-me,
Henrique Cintra